A personalização da experiência do cliente

Desde quando criei o Mundo CX, a personalização da experiência do cliente era um dos assuntos que mais chamavam a minha atenção e provavelmente um dos que eu mais queria pesquisar, pois envolve assuntos tão diversos quanto estratégia, tecnologia, privacidade e transparência.

Neste artigo, como em vários outros artigos que desenvolvi por aqui, tratarei o tema de uma forma um pouco mais exploratória, trazendo uma visão do estado atual e da percepção geral do mercado sobre o assunto.

Então, o que é personalização?

Encontrei diversas definições, mas a que mais gostei foi essa:

Personalização é uma experiência que faz com que os clientes sintam que seus interesses, comportamentos e preferências foram cuidadosamente levados em consideração no relacionamento com uma empresa.

Basicamente, a personalização é uma forma de tratar cada cliente como único, fornecendo uma experiência única para aquele cliente baseado em preferências obtidas após as análises de diversos dados desse cliente. A tecnologia tem um papel fundamental nesse conceito.

Exemplos de personalização

Para ficarmos apenas nos exemplos mais conhecidos, Amazon e Netflix são algumas das empresas mais desenvolvidas no tema. Com uso intensivo de tecnologia e uma quantidade gigantesca de dados de comportamento dos seus clientes, elas conseguem entregar experiências mais personalizadas para cada um deles, utilizando técnicas como testes a/b e deep learning. Temos aqui uma explicação básica de como elas conseguem fazer isso.

Mas como são esses dados de uso?

Há alguns meses o Youtube divulgou um relatório com os dados de como os brasileiros utilizam a plataforma.

Fonte: Youtube Insights

Esses dados mostram o uso geral de milhões de pessoas e não estão individualizados, mas a análise desse tipo de informação e também das motivações que fazem com que as pessoas assistam vídeos podem ser pontos iniciais para quem deseja personalizar a experiência.

O mercado está apostando na personalização

Não são apenas as empresas de tecnologia que estão buscando personalizar a experiência dos seus clientes.

Embora a personalização não seja algo novo (o livro The One to One Future deu relevância para o assunto já nos anos 90), o avanço tecnológico está permitindo que ela seja empregada nos mais diversos setores.

Para poder entregar maior personalização nos seus drive-thrus, o McDonald’s fez recentemente a sua maior aquisição nos últimos 20 anos ao comprar a Dynamic Yield, uma empresa que fornece ao mercado soluções de personalização do tipo utilizado pela Amazon. De acordo com o CEO do McDonald’s:

A aquisição expande a capacidade da empresa de aumentar o papel que tecnologia e dados desempenharão no futuro e a velocidade de implementação de uma visão centrada em experiências mais personalizadas para os clientes.

Um exemplo do tipo de personalização que a companhia espera entregar para os seus clientes:

O McDonald’s disse que usará essa tecnologia para criar um menu para o drive-thru que pode ser adaptado a contextos como clima, tráfego atual dos restaurantes e itens do menu de tendências. Depois de iniciar o seu pedido, os displays das lanchonetes também poderão recomendar itens adicionais com base no que você já escolheu.

Números

Os movimentos que as empresas estão fazendo para turbinar a personalização são suportados por diversos números.

Além disso, os consumidores estão dispostos a compartilhar os seus dados para permitir experiências mais personalizadas.

Fonte: Personalization Pulse Check

Em um artigo para o site da revista Forbes, Blake Morgan (uma das principais vozes de CX e que, por sinal, tem um podcast que eu gosto muito) descreveu em torno de 50 estatísticas, de diversos estudos, que mostram o potencial da personalização. Alguns números que chamaram a minha atenção:

  • 74% dos clientes se sentem frustrados quando o conteúdo do site não é personalizado.
  • 91% dos consumidores afirmam ter maior probabilidade de comprar com marcas que oferecem ofertas e recomendações relevantes para eles.
  • 84% dos consumidores dizem que ser tratado como uma pessoa, não como um número, é muito importante para conquistá-los.
  • A personalização pode reduzir os custos de aquisição de clientes em até 50%.
  • 71% dos consumidores dizem que uma experiência personalizada influenciaria sua decisão de abrir e ler e-mails de uma empresa.

Recomendo fortemente a quem tiver interesse pela personalização a acessar cada um dos números do artigo, já que possuem os links para os respectivos relatórios. É um material riquíssimo que serve como excelente fonte de aprendizado sobre o tema.

Desafios

Embora os números sejam positivos para o impacto da personalização, não parece ser tão simples chegar lá. É desafiador desenvolver, executar e obter retorno de uma estratégia de personalização. 

Em um post mais técnico detalhando as funcionalidades do produto Personalize, a Amazon declarou que:

De fato, construir, otimizar e implantar a personalização em tempo real hoje requer conhecimentos especializados em análise, aprendizado de máquina aplicado, engenharia de software e operações de sistemas. Poucas organizações têm o conhecimento, as habilidades e a experiência para superar esses desafios e abandonam a ideia de usar a recomendação ou acabam criando modelos com baixo desempenho.

Mas a dificuldade não está apenas no nível tecnológico. Seria tudo relativamente um pouco mais fácil se fosse só isso.

Muitos outros obstáculos dificultam o desenvolvimento da personalização:

  • As empresas estão tentando buscar o ponto de equilíbrio entre a obtenção e uso dos dados dos clientes, o consentimento desse consumidor no uso dos seus dados, implementação políticas e boas práticas e entendimento das atitudes do consumidor em relação à privacidade.
  • Além disso, muitas empresas não têm uma visão unificada do cliente. Tentar personalizar a experiência sem essa visão é como tentar montar um quebra-cabeças sem ter todas as peças.
  • Os silos de informações também atrapalham. Dentro de uma empresa existem diversos sistemas que armazenam informações dos clientes, tais como ERP, CRM, ferramentas de automação de marketing, web analytics e plataformas de call center, mas como cada um deles possui interfaces de programação e tecnologias diferentes, eles não são integrados, não compartilham informações de forma consistente entre si. Manipular todas essas informações é uma tarefa bastante complicada e requer profissionais com diversas habilidades diferentes.

Também é fácil errar na personalização quando ocorre falta de alinhamento entre a execução e as expectativas do cliente. A empresa pode exagerar na personalização e assustar ou o contrário, ignorar casos onde a personalização seria relativamente simples e benéfica para o consumidor, como nos casos onde é necessário informar novamente dados já informados anteriormente.

A privacidade é outro ponto que precisa ser levado em consideração.

Após o caso Facebook-Cambridge Analytica ficou um pouco mais claro como os nossos dados podem ser utilizados de formas que nem imaginávamos. Conforme as pessoas passam a entender melhor este contexto, elas começam a ficar mais desconfiadas.

Diversas ações governamentais vêm surgindo em resposta aos abusos de privacidade. Na Europa e no Brasil leis estão sendo criadas para dar maior proteção ao consumidor e seus dados. No nosso país, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que está prevista para entrar em vigor em 2021, tem como objetivo:

Criar um conjunto de novos conceitos jurídicos (exemplos: “dados pessoais”, “dados pessoais sensíveis”), estabelecer as condições nas quais os dados pessoais podem ser tratados, definir um conjunto de direitos para os titulares dos dados, gerar obrigações específicas para os controladores dos dados e criar uma série de procedimentos e normas para que haja maior cuidado com o tratamento de dados pessoais e compartilhamento com terceiros.

As empresas que decidirem embarcar na personalização precisarão ficar ainda mais atentas à legislação.

Como fazer a personalização acontecer

Alguns tipos de personalização, como os usados pela Netflix, parecem não requerer uma estratégia de comunicação constante com o cliente. A empresa personaliza o conteúdo que exibe para o seu usuário, analisa o seu comportamento ao longo do tempo e vai exibindo conteúdo cada vez mais alinhado com os gostos desse usuário.

Já em outras categorias de personalização, como campanhas de marketing, é necessário que a comunicação seja mais consistente, principalmente em um contexto onde a privacidade dos dados ganha cada vez mais importância.

Para esses casos um artigo bem legal deu algumas pistas de como desenvolver uma estratégia de personalização:

Faça com que a personalização seja útil: ela deve entregar significado e valor para o cliente.

Personalize de acordo com o relacionamento: utilize um nível de personalização que seja apropriado para cada cliente. Um cliente antigo deveria receber ofertas e mensagens mais personalizadas do que um cliente mais recente.

Obtenha permissão: grande parte das preocupações sobre privacidade de dados e personalização giram em torno dos problemas de transparência e controle. Uma pesquisa indicou que os entrevistados desejam que as empresas digam quais informações estão sendo coletadas, como estão sendo utilizadas, que permitam que o cliente dê autorização explícita sobre como seus dados pessoais serão usados e que possam definir preferências bem específicas para quais informações eles permitirão que sejam obtidas.

Fonte: Relatório Gaps in Customer Experience

O artigo detalha ainda algumas formas de obter essa autorização dos clientes:

Uso de programas de personalização: organização de programas distintos projetados para fornecer um tipo de valor específico para um tipo específico de cliente ou possível cliente.

Convite: convide seus clientes ou possíveis clientes a consumir conteúdo personalizado, programa por programa e deixe claro para eles que a participação em um programa não fará com que eles recebam comunicações de marketing de outros programas nos quais eles não estão participando.

Seja transparente: transparência é fundamental e o cliente deve ser informado sobre a utilidade do programa, quais e como as informações serão utilizadas, como será o formato do conteúdo personalizado, frequência de envio do conteúdo, duração do programa e declaração clara de que o cliente pode cancelar a participação a qualquer momento.

Conclusão

Apesar de a maioria dos números informados nesse artigo não representarem necessariamente o contexto do Brasil, tenho a impressão de que por aqui a situação não seja muito diferente.

De forma geral, as pessoas tendem a buscar experiências que facilitem o seu dia a dia, contextos onde a conveniência torna as coisas mais confortáveis.

A personalização da experiência do cliente pode tornar esse cenário viável de uma forma mais ampla, entretanto, para que ela funcione corretamente, diversas partes precisam trabalhar em harmonia.

Vai ser interessante acompanhar nos próximos anos um conjunto de fatores envolvidos na personalização, como a evolução da tecnologia, sua expansão para médios e pequenos negócios (uma necessidade devido ao novo cenário trazido pelo coronavírus), o fortalecimento das leis de privacidade e a forma como as organizações irão tratar a transparência e a comunicação com os seus clientes.

Pode até ser que as pessoas desenvolvam uma maior consciência em relação aos seus dados! 😀

Como sempre, algumas empresas saberão navegar muito bem entre todos esses obstáculos. E essas, essas vão longe.

Comentários (3)

  1. Bem legal. De fato é uma assunto muito interessante. EU penso que traços culturais/regionais e comportamentos devem ser notados para que a personalização seja melhor ainda. Neste sentido, creio que as empresas precisam aprender bastante sobre etnografia e outros soft skills para simular as personas e encontrar traços personalizáveis…

    1. Concordo Marcelo. O contexto cultural e regional deve ser levado em consideração, afinal o que funciona em um local pode não funcionar em outro justamente por causa da forma como as pessoas veem e entendem as coisas.

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