Resenha do livro The Technology Fallacy

Muitas empresas de diversos setores da economia estão sendo impactadas, há vários anos, pelo ritmo constante (e cada vez mais rápido) de mudanças trazidas pelas novas tecnologias, modelos de negócios inovadores e competidores mais ágeis.

As mudanças no ambiente de negócios exigem que as empresas se adaptem a esse novo cenário, mudem a forma como tomam decisão, como executam os seus processos e como se relacionam com os seus colaboradores.

E essa transformação pela qual a empresa passará terá um impacto significativo na experiência do cliente.

Para ajudar a explicar todo esse contexto de transformação, decidi fazer a resenha do livro The Technology Fallacy: How People Are the Real Key to Digital Transformation, lançado em abril de 2019.

Uma das fontes mais consistentes de aprendizado sobre transformação digital é o site da revista MIT Sloan Management Review. Lendo um dos seus artigos eu descobri o livro.

Esse não é um livro focado em tecnologia. O tema central é sobre a disrupção causada por ela, como gerenciar e se adaptar a esse novo contexto e por que a resposta das empresas à ruptura digital deve se concentrar em pessoas e processos e não necessariamente em tecnologia.

A obra é baseada em quatro anos de pesquisas conduzidas pelos autores. Mais de 16000 pessoas foram pesquisadas nesse período e diversas entrevistas foram realizadas com gestores de empresas como Walmart, Google e Salesforce. 

Navegando pela disrupção digital

O que impede que as empresas respondam à disrupção de forma adequada?

A maioria dos líderes e colaboradores sabem que a disrupção está acontecendo e eles não estão agindo com base nesse conhecimento.

87% dos pesquisados indicaram que é provável que o setor deles seja afetado pelas tendências digitais, mas apenas 44% informaram que a empresa onde trabalham está agindo de forma satisfatória.

87% sabem que a disrupção vai chegar
Apenas 44% estão se preparando

As razões por trás do descompasso entre ter conhecimento do impacto digital e agir é a tendência de muitas empresas de subestimar a ameaça representada pela disrupção digital e a necessidade de responder rapidamente.

Equilibrar diversas prioridades que competem entre si e manter a empresa funcionando no dia a dia e ainda prepará-la para um futuro digital são alguns dos desafios apontados pelos autores.

Empresas bem estabelecidas acreditam que o que elas fizeram corretamente no passado, e o que causou o seu sucesso, vai funcionar no futuro. Além disso, muitos executivos simplesmente não compreendem o quão rápido a disrupção digital irá acontecer e esperam por evidências até a empresa começar a ser impactada, o que pode ser tarde demais.

Para entender melhor os tipos de ameaças que as empresas enfrentam em relação às tendências digitais, os autores realizaram uma pesquisa e obtiveram 3300 respostas, que foram agrupadas em categorias diversas. Esses foram os resultados:

Barreiras às tendência digitais dentro das empresas

Problemas como cultura inflexível e falta de agilidade mostram que a maior ameaça de disrupção digital está dentro da própria empresa, que é incapaz ou não quer mudar rápido o suficiente para responder às mudanças do ambiente.

Outra pesquisa, dessa vez com 2362 respostas, indicou algumas diferenças entre a forma como ambientes digitais e tradicionais funcionam: 

Diferenças entre os ambientes digitais e tradicionais

A principal diferença está no ritmo de conduzir os negócios. O ambiente digital requer que as empresas ajam e respondam de forma rápida.

A segunda diferença mais comum envolve a cultura, questões de colaboração, basicamente a necessidade de mudanças na cultura organizacional.

 A terceira diferença informada entre os dois ambientes foi a estrutura organizacional, composta pela necessidade de flexibilidade, transparência, a forma como as decisões são tomadas e como os times são organizados.

A disrupção é sobre pessoas

O verdadeiro desafio que as empresas enfrentam com a disrupção digital está relacionado com as pessoas, especificamente o ritmo no qual as pessoas, empresas e políticas públicas respondem aos avanços tecnológicos.

Ritmo da velocidade das mudanças

A tecnologia muda mais rapidamente do que as pessoas podem adotá-la. As pessoas se adaptam mais rapidamente à essas mudanças do que as empresas e essas empresas se ajustam mais rapidamente do que as leis e instituições sociais. 

Basicamente as empresas estão se adaptando mais lentamente ao ambiente do que as tecnologias e as pessoas. Exemplo: você usa os diversos aplicativos do seu celular para tornar a sua vida mais produtiva, obter coisas de forma mais rápida. Já na empresa, você é obrigado a usar emails para se comunicar e sistemas que não são adaptados para o mundo móvel. Essa diferença tecnológica, a forma como a empresa funciona, pode gerar frustração e até ser um fator decisivo na retenção e atração de talentos.

Esse descompasso representa um desafio bastante complexo para muitas organizações. 

Os autores concluem que apenas ao mudar profundamente a forma de trabalho, seja através de hierarquias enxutas, da aceleração da tomada de decisões, do auxílio ao desenvolvimento das habilidades dos colaboradores e entendimento das oportunidades e ameaças do ambiente, uma empresa poderá realmente se adaptar ao mundo digital.

Maturidade digital

Os autores consideram que a palavra “transformação”, de transformação digital, é um termo muito forte, que transmite um senso de mudança drástica ao invés de mudança incremental.

Para eles, o termo “maturidade digital” pode ser muito mais útil para as empresas que estão buscando entender como se engajar de forma mais efetiva ao ambiente de mudanças contínuas e rápidas.

A definição de maturidade, do ponto de vista psicológico (e que influenciou a escolha desse termo pelos autores), é a habilidade de responder ao ambiente de forma apropriada. Nesse contexto, a maturidade tem cinco elementos relevantes para os ambientes digitais:

  • A maturidade é um processo contínuo e que se desenvolve ao longo do tempo: assim como acontece com as pessoas, nenhuma empresa pode se tornar madura da noite para o dia. Uma organização pode passar por diferentes desafios em diferentes estágios da sua evolução e sempre continuar a crescer e se adaptar para se tornar mais madura digitalmente.
  • Maturação gradual não deve ser confundida com mudanças menos significativas: no dia a dia as mudanças não serão óbvias, mas conforme a empresa se torna mais digital, haverá necessidade de fazer negócios de maneiras diferentes.
  • As empresas talvez não consigam ver logo de início como elas serão quando começarem a ser tornar mais maduras: a empresa deve começar a dar os primeiros passos em busca da maturidade mesmo que ela ainda não consiga descrever exatamente como será a sua versão digitalmente madura no futuro.
  • A maturação é um processo natural, mas não acontecerá automaticamente: a organização, seus líderes e colaboradores não saberão instintivamente como responder apropriadamente ao ambiente competitivo e o uso individual de tecnologias nem sempre se traduz em conhecimento de como usá-las eficientemente dentro da empresa. A gestão deve desenvolver conhecimentos sobre tendências digitais para permitir que a organização se adapte da maneira correta.
  • A maturidade nunca está completa: nem todas as empresas terão sucesso ou farão as mudanças necessárias para sobreviver, mas a vontade e a habilidade para mudar é um bom sinal para o futuro delas. Com as constantes mudanças do ambiente, a busca pela maturidade é um processo contínuo que nunca estará completo.

A importância da estratégia

Ter uma estratégia digital clara e coerente é o fator determinante que mostra a maturidade digital de uma empresa.

Essa estratégia, no contexto digital, não é necessariamente um plano de longo prazo ao qual a empresa deve seguir rigorosamente. Ao invés disso, é um processo recorrente de identificação dos objetivos de forma mais ampla e desenvolvimento de iniciativas de curto prazo que deixam a empresa mais próxima das suas metas. Com o aprendizado gerado por essas iniciativas de curto prazo, a empresa pode então repensar tais metas.

Entretanto, independente do nível de maturidade digital, foi apontado que uma barreira à estratégia digital é o fato de uma empresa ter prioridades demais, o que faz com que ela não tenha uma visão clara de qual é o seu foco estratégico.

Os autores indicam que o desenvolvimento de uma estratégia digital é um processo que envolve três passos que devem ser repetidos de forma recorrente:

  • Ver de forma diferente: a gestão avalia as ações possíveis no ambiente atual. Ela olha esse ambiente em busca de capacidades tecnológicas e organizacionais e determina uma única ação que irá gerar o maior impacto positivo na empresa, por exemplo a eliminação de barreiras que impedem uma estratégia digital efetiva. Essa ação será o objetivo estratégico que guiará os próximos passo do processo.
  • Pensar diferente: a iniciativa do passo anterior pode ter sucesso ou não. Se for bem-sucedida, os líderes podem considerar se novas ações são possíveis como resultado do trabalho realizado. Se não for possível identificar um objetivo estratégico, a liderança deve dedicar tempo para descobrir o motivo e como isso pode afetar os esforços de desenvolvimento da estratégia digital, repetindo esse passo até que ela possa identificar um objetivo.
  • Fazer diferente: nesse passo a empresa planeja uma iniciativa de seis a oito semanas para progredir em direção ao objetivo estratégico. Recursos significativos devem ser alavancados para a empresa tentar trabalhar de forma diferente nesse período.

Os líderes organizam o conhecimento desenvolvido no último item e reavaliam as oportunidades organizacionais com esse conhecimento, repetindo o ciclo.

Repensando a liderança e talento para uma era digital

Geralmente pensa-se que a liderança em um ambiente digital deve ser diferente daquela de um ambiente tradicional, mas não é isso que a pesquisa mostrou. Existem habilidades importantes que os líderes precisam ter e que são independentes do ambiente.

Uma característica importante de liderança que não mudou por causa da disrupção digital é a importância do foco no valor das iniciativas. Embora isso possa parecer óbvio, os dados da pesquisa mostram que os líderes muitas vezes focam tanto nos aspectos tecnológicos que esquecem que o objetivo é melhorar a forma como a empresa conduz os negócios.

Outra característica fundamental é o envolvimento. O apoio da alta liderança é fundamental. Líderes que não estão diretamente envolvidos com o desenvolvimento de novas tecnologias muitas vezes supõe que eles não são líderes “digitais”, mas conforme a empresa começa a apostar intensivamente em negócios tecnológicos, todos os líderes devem se tornar líderes digitais e entender o valor dos projetos digitais e quais outros aspectos da empresa precisam estar alinhados para que os objetivos sejam atingidos. 

Mais um aspecto de uma boa liderança não mudou: os líderes devem dar aos colaboradores as oportunidades e recursos para que eles prosperem em um ambiente digital, tais como treinamentos, maior interação com outras áreas da empresa e tempo e espaço para exploração e aprendizado.

O que torna a liderança digital diferente?

Existem algumas habilidades específicas e capacidades únicas para o ambiente digital. 

Outra pesquisa realizada pelos autores, com 3300 respostas, indicou as habilidades organizacionais mais importantes que os líderes devem possuir para ter sucesso em um ambiente digital:

Habilidades que a liderança deve possuir

Entre essas habilidades estão o entendimento de como as tendências da tecnologia estão mudando as empresas, a habilidade de guiar as empresas em resposta à essas tendências, visão para dar propósito e direção para as mudanças que serão necessárias, o entendimento de tecnologia e uma atitude voltada à mudança.

Apesar de as respostas sugerirem que os líderes precisam ter entendimento de tecnologia, as habilidades técnicas por si só não são pré-requisitos para uma liderança digital efetiva. Liderança digital é sobre liderar em meio a um novo ambiente criado pela disrupção digital e não necessariamente sobre o domínio de conhecimentos tecnológicos.

Talento digital

A definição e execução de estratégias digitais requerem pessoas talentosas. A inabilidade de atrair e reter talentos digitais é uma das ameaças mais significativas trazidas pela disrupção digital. 

As empresas precisam de pessoas que possam mudar, crescer e que sejam ágeis para ajudá-las nesse novo ambiente.

A pesquisa conduzida pelos autores mostrou que quase 40% dos entrevistados consideram que uma perspectiva orientada à mudanças é a característica mais importante que um colaborador pode ter, pois como as habilidades estão se deteriorando mais rapidamente (o que você aprende hoje pode estar obsoleto em dois anos), os colaboradores que têm essa característica podem responder à disrupção através do aprendizado contínuo.

Habilidades que os colaboradores devem possuir

Outras habilidades importantes em um ambiente digital são pensamento estratégico, entendimento de tecnologias e habilidades interpessoais.

Atração e retenção de talentos

Desenvolver os colaboradores que já estão na empresa é necessário, mas não suficiente. Contratar e reter talentos é fundamental.

Empresas digitalmente maduras ajudam os seus colaboradores a desenvolverem as habilidades que eles precisam para prosperar e esses colaboradores ajudam de forma eficiente essas empresas a executar as suas estratégias digitais.

Já empresas menos maduras não desenvolvem ou não utilizam as habilidades dos seus colaboradores e, portanto, não possuem talentos para executar as suas estratégias digitais. Além disso, elas perdem os talentos que já possui, pois, uma das razões primárias que fazem os colaboradores saírem de uma empresa foram preocupações com a falta de oportunidades para desenvolverem habilidades digitais relevantes.

Se tornando uma empresa digital

A importância da cultura

Uma frase atribuída ao guru da administração Peter Drucker, de que “a cultura come a estratégia no café da manhã” se aplica às discussões sobre transformação digital. 

A cultura pode ser definida como o comportamento social, normas e crenças de um grupo. É o que as pessoas em uma empresa acreditam ser os padrões de comportamentos aceitos. 

Para tirar o máximo proveito dos talentos e líderes a organização precisa desenvolver um ambiente e cultura propícios.

Os dados dos autores sugerem que um grupo de características culturais estão associadas com maturidade digital e tais características são consistentes entre diferentes indústrias e tamanhos de empresas.  Especificamente, empresas digitalmente maduras são:

  • Menos hierárquicas e mais distribuídas em estrutura de liderança
  • Mais colaborativas
  • Encorajam a experimentação e aprendizado
  • Exploram diversas possibilidades, com maior tolerância aos riscos
  • São mais ágeis e rápidas nas ações

Embora essas características sejam simples e claras, aplicá-las não é fácil e além disso a cultura não se desenvolve ao acaso. Empresas digitalmente maduras incluem de forma intencional a cultura em seus esforços de transformação.

Os autores fazem uma observação interessante. Estamos chegando a um cenário onde essas empresas que já estão avançadas na transformação digital estão dobrando seus esforços para avançarem ainda mais nesse caminho. Já aquelas empresas que estão atrasadas são menos prováveis de estarem considerando os tipos de iniciativas necessárias para desenvolver uma cultura digitalmente amigável e isso pode aumentar ainda mais o vácuo existente entre elas.

A experimentação é difícil

Muitas empresas nascidas antes da era digital enfrentam dificuldades para inovar por duas razões:

  • A cultura delas evoluiu para reduzir ou eliminar as variações necessárias para a experimentação, que é uma característica fundamental da inovação
  • É um grande desafio para os líderes inovar enquanto têm que manter a empresa funcionando de forma eficiente e efetiva 

A pesquisa mostrou alguns dos maiores desafios que afetam a capacidade de a empresa competir de forma mais eficiente em um ambiente digital. A principal resposta envolve a experimentação e fazer com que os colaboradores arrisquem mais. 

Dificuldades internas das empresas

As empresas precisam aprender a como conduzir testes nos quais a falha é um resultado possível. O objetivo não é a falha em si, mas o aprendizado e adaptação.

Para fazer isso os autores sugerem que a organização faça testes rápidos (de seis a oito semanas), com parâmetros para a experimentação e aprendizado e com um certo nível de tolerância às falhas.

Aplicando as lições

No último capítulo, os autores fornecem algumas orientações para a organização seguir com o planejamento de maturidade digital. 

Entre essas recomendações estão a avaliação da situação atual da empresa em relação à sua maturidade digital, identificação de áreas que já estejam aptas para a transformação e a definição das melhorias a serem desenvolvidas nas áreas que serão transformadas. 

Esse capítulo é um dos mais úteis, pois ele mostra como utilizar as lições ensinadas nos capítulos anteriores e aplicá-las na prática.

Conclusão

A disrupção digital não vai acabar tão cedo. Pelo contrário, vai aumentar cada vez mais, pois novas tecnologias como realidade aumentada e virtual, blockchain, inteligência artificial, entre outras, passarão a fazer parte do dia a dia das empresas e farão com que elas tenham que lidar com novos desafios.

As pessoas nas organizações e governos também serão impactadas. A disrupção vai ser complicada pois fará com que os colaboradores tenham que aprender novas formas de trabalho e isso irá requerer um esforço considerável por parte desses profissionais.

Algo que ficou bem claro durante a leitura do livro é que desenvolver uma mentalidade de aprendizado contínuo, tanto para empresas quanto para pessoas, é uma das melhores opções para ir se preparando aos poucos para os desafios dos próximos anos.

Recursos adicionais

Um dos autores detalha neste vídeo o desenvolvimento do livro:

Os seguintes relatórios, que englobam os anos de 2015 a 2018, foram a base para a criação do livro:

Strategy, not technology, drives digital transformation

Aligning the organization for its digital future

Achieving digital maturity

Coming of age digitally