Resenha do livro Designing Bots

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O mercado de chatbots está em expansão. O relatório Chatbot Market – Global Forecast to 2024 prevê crescimento de até 30% de 2019 a 2024 e que esse crescimento será guiado por avanços da tecnologia, pela crescente demanda dos clientes por autoatendimento e assistência 24 horas por dia, 7 dias por semana e também pela busca, nas empresas, de custos operacionais mais baixos.

No Brasil o mercado está crescendo também, conforme resultado do Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots – 2019.

Os chatbots podem impactar positivamente a experiência do cliente, entretanto, existem sinais mostrando que os usuários estão frustrados com a tecnologia.

O relatório Customer Service Chatbots Fail Consumers Today destacou que 54% dos consumidores online dos EUA acreditam que a interação com um chatbot terá um impacto negativo em sua qualidade de vida.

Muitas dessas frustrações estão relacionadas às expectativas dos consumidores e também ao design dos próprios bots, que muitas vezes não deixam claro para essas pessoas quais tarefas eles podem auxiliá-las.

Uma das minhas atividades profissionais é o design de conversas de chatbots. Para evitar frustrações dos usuários que atendo e para compreender melhor o que está por trás de uma experiência consistente de interação entre pessoas e bots, decidi ler o livro Designing Bots.

Lançado em 2017, o livro detalha de forma didática em suas quase 350 páginas os passos necessários para a construção de chatbots.

Designing Bots

Amir Shevat, o autor do livro, trabalhou em diversas empresas de tecnologia como Google, Slack e Twitch em cargos de relacionamento com desenvolvedores. Apesar disso, esse não é um livro voltado para programação ou infraestrutura de os bots. O seu público alvo são designers, gerentes de produtos e empreendedores.

O livro é organizado em três partes. A primeira é uma visão geral, onde o autor explica o que são bots, os seus tipos, plataformas e casos de uso. Quem já tem familiaridade com bots talvez não considere essa parte muito útil.

Na segunda parte, a da teoria, são tratados de assuntos como experiência do usuário, design, marketing e monetização.

A parte mais interessante é a terceira, que é um guia de como construir um bot com as lições aprendidas nas partes anteriores, englobando temas como o processo de design, definição de casos de uso, script de conversas, arquitetura do bot, testes e analytics.

Introdução

No primeiro capítulo, de forma bem básica, Amir descreve um bot como uma nova interface que permite que os usuários interajam com serviços e marcas através da conversa. Ele detalha também os motivos e os estágios que estão guiando a adoção de chatbots.

Estágios de adoção de bots

No capítulo 2 são detalhados os principais tipos de bots. Embora seja curto, esse é um dos capítulos mais interessantes, pois essa diferenciação entre os bots tem impacto enorme na forma de pensar o seu design.

  • Interação: existem bots onde a interação é um para um, ou seja, onde a conversa acontece entre o bot e um usuário, como por exemplo o chatbot de um banco. Existem também aqueles que atendem diversos usuários ao mesmo tempo em uma mesma conversa, como o Lunch Train, um bot do Slack que ajuda os integrantes de um time a escolher onde eles irão almoçar (!). 
  • Tarefas: alguns bots realizam tarefas únicas, como por exemplo um bot de compra de passagens aéreas. Já outros bots, conhecidos como super bots, como o Google Assistant, auxiliam o usuário em diversos serviços do próprio Google e também em serviços de outras empresas.
  • Público: bots podem ser usados pelas pessoas dentro de uma empresa nos seus processos internos tais como dúvidas sobre o processo de requisição de férias e abertura de chamados para o suporte técnico, onde o foco está na conclusão de tarefas. Outros bots podem ser utilizados pelo público em geral, com funções como entretenimento, divulgação de notícias e auxílio em questões de saúde e bem-estar, sendo o foco mais orientado na experiência em si do que em conclusão de tarefas.
  • Meio de comunicação: outra distinção muito importante. A comunicação entre o bot e o usuário pode ocorrer por texto, da mesma forma como usamos um aplicativo de chat ou por voz, como o Echo da Amazon.

Plataformas

O capítulo seguinte detalha as principais características de plataformas de hospedagem de bots como o Slack, Facebook Messenger, Alexa e Kik.

Amir faz uma observação muito importante ao dizer que para escolher a plataforma para o seu bot é importante ter as respostas para perguntas como:

  • O bot será utilizado internamente na empresa ou se o uso será comercial?
  • O público será composto por adolescentes, famílias ou pessoas no trabalho?
  • Em qual momento eles utilizarão o bot?
  • A interação por texto ou voz será suficiente para atender os usuários ou será necessário a visualização de conteúdo?
  • O bot precisará estar disponível em diversos dispositivos ou será apenas mobile?

A lição desse capítulo é a importância do entendimento da perspectiva dos usuários e que protótipos devem ser criados para avaliar o design do bot e a sua plataforma.

Principais casos de uso

O capítulo 4 explora diversos cenários onde os bots podem ser utilizados, como lojas, negócios em geral, produtividade e coaching, envio de alertas e notificações, atendimento, FAQs, jogos e entretenimento.

É um capítulo que dá uma visão das possibilidades, mas não vai muito além disso.

Anatomia de um bot

A partir do capítulo 5 o livro começa a ficar mais interessante. O autor explica os componentes que compõe um bot, como personalidade, propósito, nome, interface, inteligência artificial, entendimento de linguagem natural, o gerenciamento e fluxos das conversas, formas de tratar erros e intervenção humana na conversa quando necessário.

Anatomia de um bot

Em relação ao design, é indicado que o primeiro passo na sua exploração é a definição do propósito e funcionalidade principal do bot.

Branding

Outro ponto de destaque é a interface e a questão do branding, ou seja, nomes, linguagem utilizada, logotipos e cores, itens que ajudam na forma como os usuários percebem, lembram e reconhecem o bot. Esse é o tema do capítulo 6.

Um foco especial é dado à personalidade do bot, que é um dos principais atributos que podem diferenciar um bot de outros bots que fornecem serviços similares. Existem diversos itens a serem considerados no desenho da personalidade, tais como:

  • Ambiente: um bot com personalidade humorística talvez não seja a melhor opção para o ambiente jurídico.
  • Público: um bot que usa muitas abreviações pode não ser útil para algumas pessoas.
  • Tarefas: o processo de compra de um tênis requer um bot com personalidade diferente de um bot que auxilia a compra de seguro médico.

Uma parte considerável desse capítulo, que eu gostei muito, é dedicado à intervenção humana.

Às vezes um bot não sabe como tratar um pedido do usuário ou não consegue entender o que o que foi dito, então um ponto a ser levado em consideração é a possibilidade de transferir a interação para um atendente humano, principalmente em casos onde a falha do bot pode trazer efeitos negativos.

O autor descreve muito bem diversos aspectos dessa intervenção que ajudam a diminuir o atrito nas interações do bot com os seus usuários.

Inteligência Artificial (IA)

Um livro sobre chatbots não poderia deixar de falar sobre inteligência artificial. Esse é o assunto do capítulo 7, mas como o objetivo do autor não é detalhar a tecnologia em si, ele fornece apenas uma explicação rápida sobre IA, entendimento de linguagem natural, reconhecimento de imagens, predição, análise de sentimentos e explica rapidamente quando é e quando não é necessário utilizar IA em um bot.

Design da Conversa

O capítulo 8 é um dos mais completos. Ele detalha diferentes aspectos da conversa de um bot, como por exemplo, a importância da primeira interação do usuário e como é fundamental que o bot informe o seu propósito logo no início da conversa.

Ainda no mesmo capítulo, o autor detalha os tipos de conversa mencionados no capítulo 2: uma focada na realização de tarefas e a outra focada em discussão de assuntos.

No primeiro tipo o usuário quer completar uma tarefa quando ele interage com o bot. No exemplo abaixo o usuário faz a compra de um café. Ele escolhe os sabores, informa o endereço, confirma as informações e o bot confirma o pedido.

Fluxo da tarefa

É um exemplo muito simples e através dele o autor desenha uma conversa com caminho feliz e explica conceitos como fluxos divergentes, correção do curso da conversa, as entidades que devem ser extraídas e mapeamento de intenções.

Uma observação fundamental é que uma conversa focada na tarefa tenha o menor número possível de etapas para o usuário atingir o seu objetivo.

O outro tipo de conversa, a focada em tópico, é aquela onde o usuário conversa sobre diferentes conjuntos de assuntos. Sua intenção não é completar uma tarefa e sim explorar um assunto, o que significa que a conversa é menos direta e também menos estruturada.

No exemplo abaixo, o usuário pode falar com o bot sobre diferentes assuntos dentro do tema Star Wars.

Tópicos de Star Wars

Novamente, o autor desenha interações para ilustrar esse tipo de conversa e fornece diversas dicas para o seu design.

No desenvolvimento de um bot é importante considerar como ele lida com os erros e esse assunto é um dos destaques do capítulo.

Os usuários podem fornecer informações erradas, conversar sobre assuntos fora do escopo do bot, falar palavrões, etc. Aqui o livro explica diversas formas de lidar com essas situações, como correção de curso, intervenção humana e reinício da conversa.

Direcionando o usuário

No exemplo acima, o usuário escreve uma frase, o bot informa que não sabe como responder e logo em seguida tenta trazer o usuário de volta à tarefa principal, que é o agendamento de um voo.

Outro aspecto fundamental no design de uma conversa é o mindset de crescimento.

Desenvolver uma conversa é um processo contínuo de aprendizado. Ao disponibilizar um bot para os usuários, inúmeras interações começam a acontecer e com isso diversos erros vão surgindo.

Coisas que os usuários solicitam e que estão fora do escopo do bot, interações que o bot não compreende, etc. Tudo isso servirá como material para entender melhor o contexto dos usuários e ir melhorando o bot.

Solicitar feedback para o usuário no final da interação também é uma forma valiosa de entender se a expectativa está sendo atendida ou não e isso impacta na experiência desse usuário.

Utilização de mídias

Chatbots onde a interação é realizada apenas por texto podem tornar a conversa cansativa e isso é levado em consideração no capítulo 9.

O autor dá diversas dicas e fornece vários exemplos de como, onde e quando utilizar arquivos, vídeos, áudios, imagens, botões e emojis no bot e como isso ajuda a simplificar, otimizar e até mesmo substituir textos em uma interação.

Contexto e memória

O capítulo 10 trata de uma das funcionalidades mais complicadas de serem implementadas em um bot.

Nas conversas que temos no dia a dia com outras pessoas, conseguimos falar sobre um assunto, entrar em diversos outros assuntos e então voltar a falar sobre aquele primeiro assunto.

O contexto dessa conversa é claro para humanos, mas extremamente difícil para um software como os bots.

Você faz uma pergunta para um bot e ele responde. Você muda o assunto e depois quer voltar para o assunto da primeira pergunta, mas o bot já esqueceu o contexto e você tem que começar a conversa novamente.

Lembram deste filme?

O autor explica algumas formas de amenizar o problema, como a verificação dos registros gerados pelo bot, os tais logs, para entender quando e onde o bot perde o contexto para então poder desenhar conversas mais eficientes.

Instalação, formas de engajamento e monetização

O capítulo 11 fala sobre como instalar e como descobrir bots em diversos diretórios. Já o capítulo 13 trata da monetização do bot, explica modelos de assinatura, promoção da marca, etc.

Esses dois capítulos talvez sejam os menos interessantes na minha opinião, pois não era o tipo de conhecimento que eu estava buscando naquele momento, entretanto, reconheço a utilidade deles para gerentes de produtos, que é um dos públicos do livro.

Entre esses dois capítulos, o 12º explica como a necessidade de demonstrar o valor e criar hábitos nos usuários deveria ser parte da experiência de onboarding do bot.

Uma das abordagens indicadas pelo autor para a questão de engajamento do bot é aquela descrita no livro Hooked: How to Build Habit-Forming Products, que detalha como processos de gatilho, ação, recompensa e investimento ajudam na formação de hábitos.

Conteúdo prático

Dos capítulos 14 ao 19, o livro descreve, com diversos exemplos, o processo de design na prática.

No capítulo 14 o autor explica que, baseado em conversas com gerentes de produtos e designers de bot, não existe um processo de design que funciona para todos e que os processos dos capítulos seguintes funcionam para muitos casos de uso. Ele aconselha que cada designer deve explorar e encontrar um processo que funcione para o seu contexto.

No capítulo 15 são detalhados tópicos como a exploração e definição dos casos de uso, propósito do bot, a escolha da plataforma onde ele será hospedado, definição da persona, nome e identidade visual.

Os fluxos de conversa, ajuda, feedback, tratamento de erros e mapeamento das intenções são os focos do capítulo 16.

O capítulo 17 trata do design, das diferentes formas de visualizar a conversa desenvolvida no capítulo anterior. Essa parte é bem focada na experiência do usuário e as sugestões são muito úteis.

No mesmo capítulo são detalhadas as formas de teste do bot com os usuários, desde o planejamento desses testes, criação de cenários, recrutamento de participantes, moderação de sessões, análise dos dados de teste e utilização desses dados para realização das melhorias.

O capítulo seguinte é focado em como colocar o bot no ar. Aqui a coisa fica um pouco mais técnica, com detalhes sobre a arquitetura de bots, IDEs, serviços de IA, SDKs, frameworks e soluções de hosting.

Depois que o bot é disponibilizado para os usuários, é necessário acompanhar o seu funcionamento e as informações geradas pelo seu uso. O objetivo do capítulo 19 é justamente explicar como isso deve ser feito.

Assuntos como bot analytics, análise de logs, melhorias contínuas tais como redução de erros, otimização de conversa, atualização e inclusão de novos fluxos de conversa são detalhados de forma bem didática.

Métricas de usuários e engajamento

Futuro dos bots

No último capítulo o autor fala sobre as tendências das plataformas e dos próprios bots e trata, de forma bem leve, de questões como bots substituindo os apps, os impactos no mercado de trabalho e no nosso cotidiano.

Conclusão

Design Bots é um bom livro de introdução ao desenvolvimento de bots do ponto de vista do design da conversa e experiência do usuário.

Muitos dos conceitos detalhados no livro eu já conhecia, mas a forma como o autor os explicou, com exemplos bem práticos, me fez ver esses conceitos de uma forma mais coerente.

O mercado de chatbots evoluiu desde 2017 e eu acho que uma nova versão desse livro com conceitos mais atualizados seria interessante.

Material adicional

Além do aprendizado que obtive no livro, outras fontes de informação ajudaram o meu desenvolvimento como designer de conversas.

Com informações que estão publicamente disponíveis na internet, organizei uma base de conhecimentos que fizesse sentido para o meu processo de estudo:

Essa base é um conjunto de artigos e arquivos divididos nas categorias design, ferramentas, materiais de eventos, mercado, comunidades e cases.

Espero que seja útil e que vocês aprendam o tanto quanto eu aprendi.